'O que traz sofrimento é o sentimento de desconexão', diz especialista
26/09/2024
Para o médico Jeremy Nobel, da mesma forma que nos hidratamos quando temos sede, deveríamos procurar ajuda quando nos sentimos sós. O Project Unlonely, do médico norte-americano Jeremy Nobel, tem um objetivo ambicioso: curar o que chama de “nossa crise de falta de conexão”: “unlonely” significa quebrar o isolamento e sentir-se conectado com alguém ou algum grupo. Além de se dedicar a seus pacientes e às aulas que dá no curso de medicina da Universidade Harvard, ele é poeta e fundador da Foundation for Art & Healing (Fundação para a Arte e Cura). Sobre a solidão, diz que o primeiro passo é falar sobre o assunto:
Jeremy Nobel, autor do livro “Project UnLonely: Healing Our Crisis of Disconnection”
Divulgação
“Estar sozinho não é o mesmo que se sentir sozinho. O que traz sofrimento é o sentimento de desconexão. Há vários tipos de solidão. Pode ser a psicológica, na qual falta um amigo ou grupo com o qual se possa contar. Ou a solidão que resulta da exclusão sistemática, quando há discriminação por raça, gênero ou algum tipo de incapacidade. E também há a desorientação espiritual e existencial: quando a pessoa se pergunta qual é o propósito ou o significado da sua vida, ou como se encaixa no mundo, sem encontrar respostas. Temos que debater exaustivamente o assunto, reconhecer o problema em nós e nos outros”.
Em seminário on-line que acompanhei há algumas semanas, Nobel afirmou que, na prática médica, lida com a solidão o tempo todo, e vê como a condição se agrava num quadro de saúde mental abalada, ou de incapacidade física, assim como ao longo do envelhecimento. Lembrou que se trata do maior fator de risco prevenível para o suicídio e alerta:
“Culturalmente, a solidão é vista quase como uma ‘falha’ no caráter da pessoa e, como consequência, vamos nos retraindo. Entramos numa espiral que tem que ser interrompida antes de sair do controle. Deveríamos pensar na conexão com os outros seres humanos da mesma forma como entendemos que a água é indispensável à vida. Se nos hidratamos quando temos sede, precisamos nos conscientizar da importância de nos conectarmos quando nos sentimos sós”.
Nobel contou que, há dez anos, vem assistindo ao crescimento dessa desconexão, quase sempre acompanhada por ansiedade e depressão. “Não se resume a uma consequência das redes sociais, o mundo como um todo está mais instável”. E como lidar com um cenário tão desafiador?
“Faça coisas! Qualquer iniciativa, até iniciar uma conversa, é um passo importante e vai mexer com alguma parte do seu inconsciente!”, estimula, acrescentando que a arte tem um “superpoder” de conexão: “vai além do entretenimento, é capaz de formatar como vemos o mundo – se ele é ameaçador ou cheio de possibilidades – e como nos orientamos. Talvez seja o melhor caminho para a cura”.
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